Luau noctilucas: Skank no céu em arranjos inusitados

Difícil saber o que seria da música brasileira se Tom Capone não tivesse partido sua moto naquele cruzamento de Los Angeles em setembro de 2004, logo após a festa do Grammy Latino - ele concorreu em cinco categorias do prêmio. O cara era um gênio, segundo quem trabalhou com ele. Entre as preciosidades que passaram pelas mãos do produtor está o que é, para mim, o maior disco de pop-rock produzido no Brasil desde a virada do milênio: o fabuloso "Cosmotron", lançado pelo Skank em 2003.

Em uma conversa que tive com o tecladista da banda, Henrique Portugal, quando eu trabalhava no G1, ele me confidenciou que foi um dos últimos a ter contato com o produtor. "Depois do Grammy teve uma festa na casa do Robi Rosa (ex-Menudo). Tom estava feliz porque o Robi tinha dito que queria que ele produzisse um disco dele, a Julieta Venegas também o procurou", disse Portugal.

"Eu saí com o Zé Fortes, empresário dos Paralamas, em uma moto, e o Tom em outra. A casa do Robi é no alto das montanhas, tem uma visão maravilhosa. Descemos a rua, vou andar mais devagar. O Tom todo feliz, foi mais rápido. Na Sunset, ele virou para um lado e eu para o outro. Nunca mais vi o Tom."

Falamos de Tom Capone porque seria impossível falar de Skank, do Cosmotron e ficar restrito às composições. A produção foi o que conduziu todo o trabalho. Mas é inegável a força das canções. Desde a psicodélica "Supernova" até o new-samba-eletrônico de "Sambatron", passando por maravilhas como "Dois Rios", "Vou Deixat", "Nômade", "Resta um Pouco Mais" e todas as outras, incluindo a minha preferida: "Formato Mínimo".

Por motivos óbvios, é sobre "As Noites" que quero falar. Letra linda de Chico Amaral com música de Samuel Rosa, a canção tem sangue inglês, mas com temperatura tropical. A influência do britpop é percebida especialmente na batida. Fácil ouvir e lembrar de Oasis.

Cheia de bons arranjos, "baixo espacial", distorção de guitarra comedida, harmonia dinâmica, corais, paradinhas, piano com notas agudas (pontuadas como o mellotron de "Strawberry Fields Forever", dos Fab4), barulhinhos e efeitos, cordas e sintetizadores para fazer a música crescer, bateria sem pratos (ou quase isso), "As Noites" evoca Clube da Esquina e Beatles. O refrão tem harmonia e melodia no mínimo muito semelhantes às de "While My Guitar Gently Weeps", canção de George para um dos lados do Álbum Branco.

O resultado final é uma canção viva, que nutre de impulsos. Uma das minhas prediletas do disco, que me faz pensar ao ouvir versos como "E lá no céu constelações numa arranjo inusitado, o seu nome desenhado, pelo menos tinha essa impressão", "São milhares de estrelas, singulares letras vivas no céu" ou "As casas desse lugar se lembrarão do nosso abraço, da sombra insólita, espelho azul no chão". Argumento forte para aqueles que defendem a tese de "as noites foram feitas para pensar".

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