Luka Britto 30 anos: Texto 3 – O banco escolar e a preparação para a vida

Luka Britto 30 anos

Texto 3 – O banco escolar e a preparação para a vida


O ano de 1989 começou de um jeito diferente. Eu sentia que as coisas estavam mudadas. Em meu último ano do ginásio, eu havia caído na “8ª Série B”, no período noturno, mas me rebelei e tratei de cavar um espaço na turma da tarde, na “8ª Série A”. Havia vagas, então fomos eu e o Márcio Shiotani, que desde o ano anterior eu chamava de Jacaré (dei o apelido, mas nem sei o motivo) e que se tornou próximo de mim.

Na turma diurna eu iria reencontrar como colega de classe o mesmo André Yuki que me apresentara efetivamente à Stereo Vale. Ele era um cara incrível, eu o admirava, ele era filho de japoneses, só falava com os pais no idioma nipônico e ainda tinha vários materiais e peças diferentes do restante da turma, entre eles revistas com imagens dos meus ídolos Ultraman e Ultraseven e miniaturas de personagens nipônicos, como o monstro Baltan.

Naquele grupo de alunos também havia uma galera que eu conhecia do pátio da então Escola Estadual de Primeiro Grau Ayr Picanço Barbosa de Almeida, das aulas de educação física ou mesmo da sala de aula, em anos anteriores. Ali eu estava em casa, me sentia mais enturmado, não havia nenhum dos grandalhões (eu quase sempre fui o mais novo da turma) que me intimidavam. Era quase tudo o que eu queria!

Naquela sala tinha um pessoal que gostava de música, entre eles o Fabio José Vieira Maia Gusmão e Silva, a quem eu chamava de Maradona desde 1986, pois ele tinha um biotipo que eu julgava parecido e andava sempre com uma camiseta do time do Napoli, onde jogava o Dom Diego à época. Ele era o caçula de algo próximo a uma dezena de irmãos e tinha em casa um baita aparelho de som, montado em um rack com equalizador e o escambau e caixas acústicas feitas sob encomenda.

Mais do que isso, os irmãos tinham uma coleção de discos, incluindo uma novidade, os CDs. O Fabio também gostava de falar de música e assistia ao Clip Trip, da TV Gazeta, que exibia videoclipes em dois horários diários (no fim da manhã e no fim da tarde).

Aliás, a “nossa turma” da escola não tinha só quem gostasse de música. Tínhamos o costume de jogar bola juntos na “Área Verde”. Éramos eu, o Fabio, Márcio Zara, Claudinho, Júlio, Douglas, Fabiano (que logo depois deixou nossa sala) e o Ado, este último um vizinho do Fabio, mas que estudava em outra série, acho até que em outra escola.

Chegamos a montar um time bom para os padrões da vizinhança, com a base sendo o Ado no gol, Fabio de fixo, Zara de ala direita, eu na ala esquerda e o Douglinha de pivô. Jogávamos com uma bola “Campeão” e tínhamos como principal adversário o pessoal da “7ª Série A”.  Um dia ganhamos deles por 11 a 3, com quatro gols meus. Naquela tarde, o Yuki havia ido à quadra da Área Verde (ele nunca se interessou por futebol, foi só para prestigiar a gente).

Esse pessoal também se reunia para ouvir rádio vez por outra ou para fazer coisas como jogar futebol de botão. Fizemos muitos “torneios” pela manhã, especialmente eu, o Fabio, o Claudinho e o Fabiano. Na época eu tinha uns 30 times de botão e alguém levava o “estrelão”.

Os torneios acabavam quase sempre por volta das 11h, pois era o horário em que começava o “Clip Trip”. Durante os jogos, ouvíamos rádio, especialmente a Transamérica FM, que começava a ser ouvida em São José. A emissora trazia uma programação diferente do que éramos acostumados.

Pra começar, eles tinham o programa “Estúdio Ao Vivo”, com as bandas tocando ao mesmo tempo em que ia ao ar, como sugere o nome. Por isso passamos a conhecer repertórios que usualmente não frequentavam as FMs locais. Uma das coisas que chamaram a atenção da gente foi que eles também mantinham duas composições “antigas” do A-Ha entre as mais tocadas, e isso sem que eles estivessem para se apresentar no Brasil e tendo até outro disco mais atual. “Hunting High and Low” e “The Sun Always Shines on TV” eram as peças musicais. Acabaram entrando para a trilha sonora da época.

Nesse tempo eu achava que a Stereo Vale já não era assim mais tão legal. O padrão de locução e o ritmo da programação da Transamérica me chamavam mais a atenção naquele momento. A influência de outros colegas da escola também estava presente. E até a grade de vídeos do Clip Trip interferia no meu gosto.

Uma das coisas marcantes daquele 1989 foi quando chegamos à escola, não me lembro a época do ano, e começamos a falar sobre um clipe de uma “música que parecia das antigas” e que era muito boa. A canção era “Sweet Child O’Mine”, do Guns N’ Roses. Não foi preciso nem falar o nome, todos sabíamos que era aquela canção.

Definitivamente, a sala de aula havia se tornado um centro de interações culturais – mais musicais, na verdade. Mas aí já é outro capítulo, que a história do Luka Britto vai mostrar mais adiante.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Luka Britto 30 anos: Texto 1 – Antes dos primeiros acordes

Pensamento à toa sob a luz da lua

Luau noctilucas: Skank no céu em arranjos inusitados