Muito mais do que tijolos no muro
Eu tinha um gesso imobilizando minha perna esquerda, do pé à virilha, quando tive a oportunidade de ver o filme pela primeira vez, aos 16 anos. Dali até que eu me visse andando de novo foram dezenas de vezes em que a fita VHS VAT entrou em ação e eu ouvisse as músicas enquanto rolava o longa-metragem. Não demorou muito para que eu conseguisse emprestado o álbum duplo e praticamente furasse os LPs de tanto tocar no meu "3 em 1". "The Wall", do Pink Floyd, é certamente um dos discos que mais me influenciaram, sendo determinante para uma das muitas transformações da minha vida (não é exagero, acreditem). E neste 30 de novembro faz 40 anos que essa obra-prima foi lançada.
A fita de vídeo com o filme foi emprestada pelo camarada André Yuki, o Zappa, que tinha conseguido uma versão com legendas em japonês (naqueles ideogramas incompreensíveis para qualquer ocidental acostumado ao hindu-arábico). Ali também tinha o show "Delicate Sound of Thunder", com o Floyd já sem Roger Waters. Foram as portas de entrada para o universo floydiano, o que me fez colocar a banda no pódio multiplatinado, na Santíssima Trindade da minha predileção musical (ao lado de Beatles e Led Zeppelin).
O LP havia sido cedido pelo colega da banda SFAL e amigo para a vida inteira Fabio Maia. No meu aniversário de 17 anos ele acabou me dando de presente o disco, juntamente com o "The Dark Side of the Moon", também do Floyd. A partir dali a minha relação com a música em geral e a própria visão de mundo mudaram da água para o vinho.
Tal "sensação" eu só havia tido com "Õ Blesq Blom", dos Titãs, e "Led Zeppelin IV". Depois disso nada mais foi tão revolucionário para mim, nem mesmo com a descoberta dos Beatles (muitos álbuns musicais mudaram muita coisa na minha vida, mas nenhum além desses acabou sendo tão impactante em diversos aspectos da minha existência. Talvez a dobradinha "The Bends" e "Ok Computer", do Radiohead, foi aquilo que chegou mais perto - sim, eu conheci os dois praticamente ao mesmo tempo).
Voltando ao "The Wall", este é o disco que me mostrou que a velocidade nem sempre deve ser alta nos discos de música, nem mesmo no rock. É também o LP que me fez compreender a importância real das letras, o enredo do álbum, a ideia do conceito, a coisa toda contada com dramaticidade, com vigor, com pausas, com todos os elementos que podem ajudar a levar da forma melhor ao ouvinte a história que o compositor quer narrar.
Waters é preciso na tarefa de conduzir a trama, é sagaz ao propor cada componente psicológico, e ainda tem toda a sonoridade, as guitarras de David Gilmour, os climas, os timbres, as dinâmicas. Sei que muitos não compreendem o disco, há quem o ache chato até, mas entendo que isso ocorre porque não percebem que o LP duplo e o filme são uma espécie de obra teatral, que faz sentido com todos os seus pedaços juntos (não é à toa que é considerado uma ópera-rock).
É deste disco a primeira música que eu "tirei" de ouvido, com solo e tudo (aquele após o primeiro refrão, no caso): a magnífica "Comfortably Numb", que é uma das minhas prediletas de todos os tempos. Outros destaques para mim são "In the Flash", "Another Brick in the Wall (Part II)", "Mother", "Young Lust", "Nobody Home" e "Run Like Hell". Na época em que conheci o "The Wall", eu namorava uma garota chamada Vera, que é o mesmo nome de uma das músicas do disco. Então, claro, "Vera" também era uma das minhas preferidas.
O trabalho ainda serviu de inspiração para que eu escrevesse a peça teatral "A Vida Não É Uma Droga". A história falava de um cara que era julgado depois de se matar por uso de entorpecentes. Ao longo da encenação tocavam cinco ou seis músicas que gravei com o Fabio Maia na casa do colga Cristiano, o "DJ", com violão, teclado e voz.
Anos mais tarde, pude ver algumas músicas deste disco ao vivo, com dois dos envolvidos na criação do álbum, ambos no estádio do meu Palmeiras, ambos com o meu filho. Em 11 de dezembro de 2015 foi David Gilmour quem me presenteou com os clássicos "Run Like Hell" e "Comfortably Numb". Em 9 de outubro de 2018, Roger Waters me fez assistir um dos maiores shows da minha vida. No repertório, "The Happiest Days of Our Lives", "Another Brick in the Wall (partes II e III)", "Mother" e "Comfortably Numb".
Enfim, no aniversário de 40 anos do "The Wall", só o que posso dizer é que minha vida não seria a mesma se eu não tivesse ouvido esse disco, especialmente na época e nas condições em que conheci a obra. E fico feliz que tenha sido assim, mesmo com os conflitos que tive devido à temática e à forma com que tudo está exposto no disco. O Lucas Nanini músico, pessoa, ser social, aquele que pensa, que compõe, que tem uma visão política, que tem um senso de justiça, não seria o mesmo não fosse por esse disco. Em vez de me fechar atrás do muro, o que a obra fez foi me abrir para o mundo.
A fita de vídeo com o filme foi emprestada pelo camarada André Yuki, o Zappa, que tinha conseguido uma versão com legendas em japonês (naqueles ideogramas incompreensíveis para qualquer ocidental acostumado ao hindu-arábico). Ali também tinha o show "Delicate Sound of Thunder", com o Floyd já sem Roger Waters. Foram as portas de entrada para o universo floydiano, o que me fez colocar a banda no pódio multiplatinado, na Santíssima Trindade da minha predileção musical (ao lado de Beatles e Led Zeppelin).
O LP havia sido cedido pelo colega da banda SFAL e amigo para a vida inteira Fabio Maia. No meu aniversário de 17 anos ele acabou me dando de presente o disco, juntamente com o "The Dark Side of the Moon", também do Floyd. A partir dali a minha relação com a música em geral e a própria visão de mundo mudaram da água para o vinho.
Tal "sensação" eu só havia tido com "Õ Blesq Blom", dos Titãs, e "Led Zeppelin IV". Depois disso nada mais foi tão revolucionário para mim, nem mesmo com a descoberta dos Beatles (muitos álbuns musicais mudaram muita coisa na minha vida, mas nenhum além desses acabou sendo tão impactante em diversos aspectos da minha existência. Talvez a dobradinha "The Bends" e "Ok Computer", do Radiohead, foi aquilo que chegou mais perto - sim, eu conheci os dois praticamente ao mesmo tempo).
Voltando ao "The Wall", este é o disco que me mostrou que a velocidade nem sempre deve ser alta nos discos de música, nem mesmo no rock. É também o LP que me fez compreender a importância real das letras, o enredo do álbum, a ideia do conceito, a coisa toda contada com dramaticidade, com vigor, com pausas, com todos os elementos que podem ajudar a levar da forma melhor ao ouvinte a história que o compositor quer narrar.
Waters é preciso na tarefa de conduzir a trama, é sagaz ao propor cada componente psicológico, e ainda tem toda a sonoridade, as guitarras de David Gilmour, os climas, os timbres, as dinâmicas. Sei que muitos não compreendem o disco, há quem o ache chato até, mas entendo que isso ocorre porque não percebem que o LP duplo e o filme são uma espécie de obra teatral, que faz sentido com todos os seus pedaços juntos (não é à toa que é considerado uma ópera-rock).
É deste disco a primeira música que eu "tirei" de ouvido, com solo e tudo (aquele após o primeiro refrão, no caso): a magnífica "Comfortably Numb", que é uma das minhas prediletas de todos os tempos. Outros destaques para mim são "In the Flash", "Another Brick in the Wall (Part II)", "Mother", "Young Lust", "Nobody Home" e "Run Like Hell". Na época em que conheci o "The Wall", eu namorava uma garota chamada Vera, que é o mesmo nome de uma das músicas do disco. Então, claro, "Vera" também era uma das minhas preferidas.
O trabalho ainda serviu de inspiração para que eu escrevesse a peça teatral "A Vida Não É Uma Droga". A história falava de um cara que era julgado depois de se matar por uso de entorpecentes. Ao longo da encenação tocavam cinco ou seis músicas que gravei com o Fabio Maia na casa do colga Cristiano, o "DJ", com violão, teclado e voz.
Anos mais tarde, pude ver algumas músicas deste disco ao vivo, com dois dos envolvidos na criação do álbum, ambos no estádio do meu Palmeiras, ambos com o meu filho. Em 11 de dezembro de 2015 foi David Gilmour quem me presenteou com os clássicos "Run Like Hell" e "Comfortably Numb". Em 9 de outubro de 2018, Roger Waters me fez assistir um dos maiores shows da minha vida. No repertório, "The Happiest Days of Our Lives", "Another Brick in the Wall (partes II e III)", "Mother" e "Comfortably Numb".
Enfim, no aniversário de 40 anos do "The Wall", só o que posso dizer é que minha vida não seria a mesma se eu não tivesse ouvido esse disco, especialmente na época e nas condições em que conheci a obra. E fico feliz que tenha sido assim, mesmo com os conflitos que tive devido à temática e à forma com que tudo está exposto no disco. O Lucas Nanini músico, pessoa, ser social, aquele que pensa, que compõe, que tem uma visão política, que tem um senso de justiça, não seria o mesmo não fosse por esse disco. Em vez de me fechar atrás do muro, o que a obra fez foi me abrir para o mundo.
Ótimo texto. The Wall fez a diferença na minha vida também.
ResponderExcluirRun Like Hell e Comfortably Numb. O ano era 1994. Claro que as demais também me marcaram. Foi impactante. Nessa época o Nirvana e o Gun's and Roses também me presentearam com músicas tão marcantes, que ficaram na minha história em momentos de mudanças importantes na fase da adolescência.
ExcluirLegal, ótimas influencias pra vc ser esse cara tao especial. 👏👏
ResponderExcluirAdorei a forma como delineou uma "crônica" do álbum! O álbum é magnífico e realmente marcante na vida de todos que se embriagaram dele. O texto vem lembrar sutilmente como ele é atemporal, assim como um bom vinho ...
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